terça-feira, 29 de julho de 2014

Lições práticas do Cântico dos Cânticos (vi)

Frutos da comunhão — 6:11 a 8:4

Esta parte do livro apresenta uma sequência instrutiva; a disciplina do capítulo anterior, aplicada por amor, levou a uma verdadeira restauração da comunhão, que agora produz frutos preciosos.

O Jardim das Nogueiras

“Desci ao jardim das nogueiras”. São as palavras da esposa. Ela está interessada nos “novos frutos do vale” e nas “vides” e nas “romeiras” (v. 11). Sente-se atraída pelo serviço do amado.

Antes não era assim. Quando o amado a chamou (2:10-13), ela não foi. Nem as flores, nem o cantar dos passarinhos podiam atraí-la ao serviço (2:12-13). Não estava disposta a trocar os confortos da casa pelos perigos dos montes de Beter (2:17). Mas agora, perto do amado, tudo é tão diferente.

A comunhão verdadeira com nosso Amado ainda produz o mesmo fruto; somos atraídos ao campo de serviço com Ele. O cristão que perdeu a comunhão não sentirá atração alguma pelo serviço do Senhor. Pelo contrário, enquanto ele ama o mundo e as cousas que no mundo há, o serviço de Deus lhe será pesado; será um sacrifício (deixar a “casa” e a “cidade”), repleto de dificuldades e perigos. É a comunhão com o Amado que muda nossa atitude, e produz, no coração, um interesse profundo no serviço dEle, e faz nascer um desejo de participar com Ele. A comunhão produz serviço.

Na verdade, é somente o serviço que é fruto de comunhão que agrada ao Senhor. Ele viu o trabalho dos tessalonicenses, e o apreciou, pois era um “trabalho de amor” (1 Ts 1:3, SBT). Ele viu também o trabalho dos efésios, e os censurou, porque deixaram seu primeiro amor (Ap 2:2,4).

É importante observar aqui, ainda outra lição. O serviço em que ela se envolve agora, não é simplesmente para ele; é serviço com ele. Embora não haja menção direta dele, nestes versículos, ele está presente. Veja uma situação semelhante em 3:6-11. No capítulo 3 a esposa estava presente (v.6), embora não se ouve a voz dela até o v. 11. Agora, no capítulo 6, o amado está presente (vs. 11-13), mas a sua presença não é percebida até que ele começa a falar da esposa (7:1-9).

Na noite em que foi traído, o Senhor falou desta verdadeira comunhão e dos seus frutos. Ele disse aos Seus discípulos: “Naquele dia conhecereis que estou em Meu Pai, e vós em Mim, e Eu em vós” (Jo 14:20). Outra vez disse: “Estai em Mim, e Eu em vós; como a vara de si mesma não pode dar fruto, se não estiver na videira, assim também vós, se não estiverdes em Mim” (Jo 15:4). O único fruto que pode ser agradável ao nosso amado, é aquele que nasce espontaneamente de comunhão com Ele.

No Carro Real

Sem procurar um lugar de honra para si, a esposa se acha no carro do rei, seu amado (6:.12). Observe bem a descrição que ela faz do carro: “carros do meu povo excelente”. O pronome, “meu”, mostra mais um fruto desta comunhão verdadeira e íntima; ela se identifica de tal forma com o amado que o povo dele é o povo dela. Se ele é honrado, ela participa na sua glória. E um dia, nós havemos de participar na glória do nosso Amado: “Quando Cristo, que é a nossa vida, se manifestar, então também vós vos manifestareis com Ele em glória” (Col. 3:4).

A Sulamita A primeira parte de 6:13 (que é o primeiro versículo do capítulo 7 na Bíblia hebraica) parece registrar as palavras das filhas de Jerusalém. Querem ver a sulamita.

Vemos nisto mais um fruto da comunhão verdadeira e íntima com o Senhor. A palavra “sulamita” é a forma feminina de Salomão, e significa pacífica, calma, tranquila. Agora a esposa está tão identificada com o amado que parecem ser uma pessoa só. Nesta figura pálida, vemos a linda verdade que o Novo Testamento revela, que a igreja, a esposa do Cordeiro, é o Seu corpo, a plenitude dAquele que cumpre tudo em todos (Ef 1:23).

Em resposta às filhas de Jerusalém, a sulamita expressa sua surpresa que alguém poderia desejar vê-la, já que o amado estava presente. Esta surpresa dela é apenas uma figura da admiração que enche o coração do cristão ao lembrar que nos séculos vindouros, o nosso Amado há de mostrar em nós “as abundantes riquezas da Sua graça” (Ef 2:7). Assim como a glória do Senhor brilhava no rosto de Moisés, sem que ele o percebesse, assim também serão reveladas em nós, um dia, a graça e a glória do nosso Amado. Que Ele seja visto em nós, mesmo agora, nesta vida.

Não podemos deixar de salientar outra vez um fato solene; a esposa só foi identificada com o amado quando ela saiu com ele. Enquanto ela permanecia na casa e na cidade, ela não refletia o seu caráter. Da mesma forma, Cristo não será visto nas nossas vidas até que nos separemos do mundo e dos seus caminhos para desfrutar de verdadeira comunhão com nosso Amado.

O Amado Fala

O amado, que contemplava em silêncio a grande mudança na atitude da esposa, agora fala dela (7:1-9). Em linguagem figurada, ele expressa o grande prazer que acha nela, e nestas mesmas expressões, vemos algo do prazer imenso que o Senhor Jesus encontra na comunhão com o Seu povo. Nunca podemos deixar de sentir-nos maravilhados ao lembrar que o nosso Amado acha prazer em nós! Na verdade, nós encontramos prazer indizível na íntima comunhão com Ele, mas mesmo este nosso prazer é apenas um pequeno reflexo daquilo que Ele sente nesta mesma comunhão.

A Esposa Fala

A esposa torna a falar, pois o coração que está desfrutando de comunhão íntima com o Senhor não pode ficar calado. Transborda de gratidão e de alegria. No v.10 ela usa as mesmas palavras que usou em 2:16 e em 6:3. Note, porém a ênfase diferente. No capítulo 2, ela estava contemplando seus próprios privilégios (“o meu amado é meu”); no capítulo 6 ela estava contemplando os direitos do seu amado, e achando prazer e conforto nisto (“eu sou do meu amado”), mas agora ela está entendendo o amor do seu amado (“ele me tem afeição”). É a linguagem da comunhão verdadeira. Ela entende e compartilha dos sentimentos dele. Mais uma vez, Deus está repetindo as mesmas lições que já ensinou neste Cântico. A verdadeira comunhão com o Senhor se expressa em separação de tudo que não é dEle (7:11), em serviço com Ele (7:12), e em sacrifício por amor a Ele (7:13). Veja novamente que o serviço que é fruto da comunhão, não é apenas para Ele; é com Ele. Compare com Mr. 16:20 e Atos 4:29-30.

Restaurada à presença do amado, a esposa sai para o serviço (7:11-13), e também deseja estar na casa com o amado para aprender dele (8:1-3). E sempre haverá no coração daquele que conhece a verdadeira comunhão com o Senhor, o desejo de sair com Ele ao campo participando no Seu trabalho, e também de entrar com Ele no santuário para aprender, assentado aos Seus pés.

Mais uma vez o amado ordena que ninguém interrompe o descanso da esposa “até que (ela) queira”. Veja outra vez 2:7 e 3:5.

A Comunhão Plena — 8:5 - 14

Esta última cena no Cântico começa com a mesma pergunta que as filhas de Jerusalém fizeram em 3:6, “Quem é esta....?” No capítulo 3 estavam impressionadas com a beleza e glória dela, participando na glória do seu amado. Agora, no capítulo 8, impressionam-se com o amor e os cuidados tão ternos que ela desfruta, subindo do deserto “encostada tão aprazivelmente ao seu amado”. Este fruto da comunhão verdadeira é deveras agradável, conhecendo dia a dia o Seu amor e cuidado. Tal cristão prova constantemente a verdade de I Pedro 5:7, “Ele tem cuidado de vós”. Davi conhecia isto na sua vida, e deu expressão à sua alegria nas palavras inesquecíveis do Salmo 23; “...nada me faltará...não temerei mal algum...preparas uma mesa perante mim...habitarei na casa do Senhor...”.

E as alegrias desta comunhão plena vão crescendo mais e mais. A esposa aprende que “as muitas águas não poderiam apagar este amor, nem os rios afogá-lo” (v.7). Os laços da comunhão podem ser muito frágeis, mas nada poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor (Rm 8:39).

A Irmãzinha

O caso da irmãzinha mostra outra vez o fruto desta comunhão tão doce. Ao falar dela, a esposa usou a primeira pessoa plural: “Temos...que faremos...”, e o amado respondeu da mesma forma: “edificaremos...cercá-la-emos”. A família dela, agora era a família dele; os interesses dela agora são os dele, e o plano dele seria também o plano dela.

Devemos destacar esta submissão à vontade do amado. É uma figura daquela atitude que vemos em Saulo de Tarso logo que se converteu; “Senhor, que queres que eu faça”(Atos 9:6). Em vez de adotarmos sempre esta atitude, quantas vezes fazemos os nossos planos, e depois pedimos que Deus os abençoe. Este fato, tão comum e tão triste, revela quão poucos estão realmente vivendo em plena comunhão com Aquele que nos ama.

Considere o plano do amado em relação a irmãzinha. Se ela for muro (isto é, forte, firme, edificada sobre o alicerce), faremos um palácio de prata. Se, porém, ela for porta (isto é, algo facilmente levado de um lado ao outro, instável), cercá-la-emos para sua própria proteção. Em seguida, lemos que a esposa é um muro, e esta comparação ajuda-nos na interpretação. Ela, agora em comunhão perfeita com o amado, se compara a um muro, firme, inabalável. Se nós, espiritualmente, estamos nesta condição, teremos recompensas maravilhosas da parte do nosso Amado. O palácio de prata simboliza algo de valor e de beleza. Se porém, formos instáveis, como a esposa no começo do Cântico, o Amado nos cercará (como fez no caso da esposa) para nossa proteção, visando a nossa restauração a uma vida de plena comunhão com Ele.

As Vinhas

O versículo 11 fala da vinha do amado e o versículo 12 da vinha da esposa. Ele recebe uma rica recompensa da vinha dele (v.11), e a esposa não quer que a vinha dela lhe dê menos. E além do desejo de que o amado tenha algo digno da vinha dela, ela quer que os outros também tenham uma parte (v.12). É mais uma figura do fruto da verdadeira comunhão com o Senhor; mostra, em figura, uma vida usada para o Senhor e para os outros, como foi a vida de Paulo, o apóstolo. Veja, por exemplo, versículos como Gálatas 2:20 e Filipenses 1:21 para notar como aquela vida foi usada para o Senhor, e passagens como I Ts 2:1-12 para ver a maneira como aquela vida foi gasta, servindo aos outros.

No começo do Cântico, quando ela estava longe do amado, ela negligenciou a sua vinha (1:6) servindo aos outros, mas agora, perto dele, ela cultiva a sua vinha para o prazer dele, e para o bem de outros. O cristão, em comunhão com o Senhor, vive servindo ao Senhor e servindo aos outros, sem contudo tornar-se servo dos homens.

Conclusão

Agora, no final do Cântico, a esposa é descrita como aquela que habita nos jardins (note o plural e compare com vs. 11 e 12). Servindo com o amado nos jardins, ela tem sido uma benção e incentivo para os companheiros (compare com 1:7), mas agora o amado a chama à presença dele.

Este quadro lindo mostra uma vida em plena harmonia com a vontade do Senhor, usada para edificar e confortar o povo de Deus, na seara do Senhor, até o momento quando Ele a chamar à Sua presença.

E a resposta da esposa é imediata e cheia de desejo de estar com ele; “Vem depressa, amado meu,”(v.14). Parece um eco daquele servo do Senhor que disse, tenho “desejo de partir, e estar com Cristo, porque isto é ainda muito melhor” (Fil. 1:23), ou daquele que, entre as pedras que caíram sobre ele, exclamou: “Senhor Jesus, recebe o meu espírito” (Atos 7:59).

Que esta pequena meditação possa levar cada leitor para mais perto do seu Amado, afastando-o do mundo, para conhecer as delícias da Sua presença, aguardando o momento quando Ele há de chamá-lo àqueles eternos montes de aromas.

R. E. Watterson

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