Frutos da comunhão — 6:11 a 8:4
Esta parte do livro apresenta uma sequência instrutiva; a disciplina do capítulo anterior, aplicada por amor, levou a uma verdadeira restauração da comunhão, que agora produz frutos preciosos.O Jardim das Nogueiras
“Desci ao jardim das nogueiras”. São as palavras da esposa. Ela está interessada nos “novos frutos do vale” e nas “vides” e nas “romeiras” (v. 11). Sente-se atraída pelo serviço do amado.Antes não era assim. Quando o amado a chamou (2:10-13), ela não foi. Nem as flores, nem o cantar dos passarinhos podiam atraí-la ao serviço (2:12-13). Não estava disposta a trocar os confortos da casa pelos perigos dos montes de Beter (2:17). Mas agora, perto do amado, tudo é tão diferente.
A comunhão verdadeira com nosso Amado ainda produz o mesmo fruto; somos atraídos ao campo de serviço com Ele. O cristão que perdeu a comunhão não sentirá atração alguma pelo serviço do Senhor. Pelo contrário, enquanto ele ama o mundo e as cousas que no mundo há, o serviço de Deus lhe será pesado; será um sacrifício (deixar a “casa” e a “cidade”), repleto de dificuldades e perigos. É a comunhão com o Amado que muda nossa atitude, e produz, no coração, um interesse profundo no serviço dEle, e faz nascer um desejo de participar com Ele. A comunhão produz serviço.
Na verdade, é somente o serviço que é fruto de comunhão que agrada ao Senhor. Ele viu o trabalho dos tessalonicenses, e o apreciou, pois era um “trabalho de amor” (1 Ts 1:3, SBT). Ele viu também o trabalho dos efésios, e os censurou, porque deixaram seu primeiro amor (Ap 2:2,4).
É importante observar aqui, ainda outra lição. O serviço em que ela se envolve agora, não é simplesmente para ele; é serviço com ele. Embora não haja menção direta dele, nestes versículos, ele está presente. Veja uma situação semelhante em 3:6-11. No capítulo 3 a esposa estava presente (v.6), embora não se ouve a voz dela até o v. 11. Agora, no capítulo 6, o amado está presente (vs. 11-13), mas a sua presença não é percebida até que ele começa a falar da esposa (7:1-9).
Na noite em que foi traído, o Senhor falou desta verdadeira comunhão e dos seus frutos. Ele disse aos Seus discípulos: “Naquele dia conhecereis que estou em Meu Pai, e vós em Mim, e Eu em vós” (Jo 14:20). Outra vez disse: “Estai em Mim, e Eu em vós; como a vara de si mesma não pode dar fruto, se não estiver na videira, assim também vós, se não estiverdes em Mim” (Jo 15:4). O único fruto que pode ser agradável ao nosso amado, é aquele que nasce espontaneamente de comunhão com Ele.
No Carro Real
Sem procurar um lugar de honra para si, a esposa se acha no carro do rei, seu amado (6:.12). Observe bem a descrição que ela faz do carro: “carros do meu povo excelente”. O pronome, “meu”, mostra mais um fruto desta comunhão verdadeira e íntima; ela se identifica de tal forma com o amado que o povo dele é o povo dela. Se ele é honrado, ela participa na sua glória. E um dia, nós havemos de participar na glória do nosso Amado: “Quando Cristo, que é a nossa vida, se manifestar, então também vós vos manifestareis com Ele em glória” (Col. 3:4).A Sulamita A primeira parte de 6:13 (que é o primeiro versículo do capítulo 7 na Bíblia hebraica) parece registrar as palavras das filhas de Jerusalém. Querem ver a sulamita.
Vemos nisto mais um fruto da comunhão verdadeira e íntima com o Senhor. A palavra “sulamita” é a forma feminina de Salomão, e significa pacífica, calma, tranquila. Agora a esposa está tão identificada com o amado que parecem ser uma pessoa só. Nesta figura pálida, vemos a linda verdade que o Novo Testamento revela, que a igreja, a esposa do Cordeiro, é o Seu corpo, a plenitude dAquele que cumpre tudo em todos (Ef 1:23).
Em resposta às filhas de Jerusalém, a sulamita expressa sua surpresa que alguém poderia desejar vê-la, já que o amado estava presente. Esta surpresa dela é apenas uma figura da admiração que enche o coração do cristão ao lembrar que nos séculos vindouros, o nosso Amado há de mostrar em nós “as abundantes riquezas da Sua graça” (Ef 2:7). Assim como a glória do Senhor brilhava no rosto de Moisés, sem que ele o percebesse, assim também serão reveladas em nós, um dia, a graça e a glória do nosso Amado. Que Ele seja visto em nós, mesmo agora, nesta vida.
Não podemos deixar de salientar outra vez um fato solene; a esposa só foi identificada com o amado quando ela saiu com ele. Enquanto ela permanecia na casa e na cidade, ela não refletia o seu caráter. Da mesma forma, Cristo não será visto nas nossas vidas até que nos separemos do mundo e dos seus caminhos para desfrutar de verdadeira comunhão com nosso Amado.
O Amado Fala
O amado, que contemplava em silêncio a grande mudança na atitude da esposa, agora fala dela (7:1-9). Em linguagem figurada, ele expressa o grande prazer que acha nela, e nestas mesmas expressões, vemos algo do prazer imenso que o Senhor Jesus encontra na comunhão com o Seu povo. Nunca podemos deixar de sentir-nos maravilhados ao lembrar que o nosso Amado acha prazer em nós! Na verdade, nós encontramos prazer indizível na íntima comunhão com Ele, mas mesmo este nosso prazer é apenas um pequeno reflexo daquilo que Ele sente nesta mesma comunhão.A Esposa Fala
A esposa torna a falar, pois o coração que está desfrutando de comunhão íntima com o Senhor não pode ficar calado. Transborda de gratidão e de alegria. No v.10 ela usa as mesmas palavras que usou em 2:16 e em 6:3. Note, porém a ênfase diferente. No capítulo 2, ela estava contemplando seus próprios privilégios (“o meu amado é meu”); no capítulo 6 ela estava contemplando os direitos do seu amado, e achando prazer e conforto nisto (“eu sou do meu amado”), mas agora ela está entendendo o amor do seu amado (“ele me tem afeição”). É a linguagem da comunhão verdadeira. Ela entende e compartilha dos sentimentos dele. Mais uma vez, Deus está repetindo as mesmas lições que já ensinou neste Cântico. A verdadeira comunhão com o Senhor se expressa em separação de tudo que não é dEle (7:11), em serviço com Ele (7:12), e em sacrifício por amor a Ele (7:13). Veja novamente que o serviço que é fruto da comunhão, não é apenas para Ele; é com Ele. Compare com Mr. 16:20 e Atos 4:29-30.Restaurada à presença do amado, a esposa sai para o serviço (7:11-13), e também deseja estar na casa com o amado para aprender dele (8:1-3). E sempre haverá no coração daquele que conhece a verdadeira comunhão com o Senhor, o desejo de sair com Ele ao campo participando no Seu trabalho, e também de entrar com Ele no santuário para aprender, assentado aos Seus pés.
Mais uma vez o amado ordena que ninguém interrompe o descanso da esposa “até que (ela) queira”. Veja outra vez 2:7 e 3:5.
A Comunhão Plena — 8:5 - 14
Esta última cena no Cântico começa com a mesma pergunta que as filhas de Jerusalém fizeram em 3:6, “Quem é esta....?” No capítulo 3 estavam impressionadas com a beleza e glória dela, participando na glória do seu amado. Agora, no capítulo 8, impressionam-se com o amor e os cuidados tão ternos que ela desfruta, subindo do deserto “encostada tão aprazivelmente ao seu amado”. Este fruto da comunhão verdadeira é deveras agradável, conhecendo dia a dia o Seu amor e cuidado. Tal cristão prova constantemente a verdade de I Pedro 5:7, “Ele tem cuidado de vós”. Davi conhecia isto na sua vida, e deu expressão à sua alegria nas palavras inesquecíveis do Salmo 23; “...nada me faltará...não temerei mal algum...preparas uma mesa perante mim...habitarei na casa do Senhor...”.E as alegrias desta comunhão plena vão crescendo mais e mais. A esposa aprende que “as muitas águas não poderiam apagar este amor, nem os rios afogá-lo” (v.7). Os laços da comunhão podem ser muito frágeis, mas nada poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor (Rm 8:39).
A Irmãzinha
O caso da irmãzinha mostra outra vez o fruto desta comunhão tão doce. Ao falar dela, a esposa usou a primeira pessoa plural: “Temos...que faremos...”, e o amado respondeu da mesma forma: “edificaremos...cercá-la-emos”. A família dela, agora era a família dele; os interesses dela agora são os dele, e o plano dele seria também o plano dela.Devemos destacar esta submissão à vontade do amado. É uma figura daquela atitude que vemos em Saulo de Tarso logo que se converteu; “Senhor, que queres que eu faça”(Atos 9:6). Em vez de adotarmos sempre esta atitude, quantas vezes fazemos os nossos planos, e depois pedimos que Deus os abençoe. Este fato, tão comum e tão triste, revela quão poucos estão realmente vivendo em plena comunhão com Aquele que nos ama.
Considere o plano do amado em relação a irmãzinha. Se ela for muro (isto é, forte, firme, edificada sobre o alicerce), faremos um palácio de prata. Se, porém, ela for porta (isto é, algo facilmente levado de um lado ao outro, instável), cercá-la-emos para sua própria proteção. Em seguida, lemos que a esposa é um muro, e esta comparação ajuda-nos na interpretação. Ela, agora em comunhão perfeita com o amado, se compara a um muro, firme, inabalável. Se nós, espiritualmente, estamos nesta condição, teremos recompensas maravilhosas da parte do nosso Amado. O palácio de prata simboliza algo de valor e de beleza. Se porém, formos instáveis, como a esposa no começo do Cântico, o Amado nos cercará (como fez no caso da esposa) para nossa proteção, visando a nossa restauração a uma vida de plena comunhão com Ele.
As Vinhas
O versículo 11 fala da vinha do amado e o versículo 12 da vinha da esposa. Ele recebe uma rica recompensa da vinha dele (v.11), e a esposa não quer que a vinha dela lhe dê menos. E além do desejo de que o amado tenha algo digno da vinha dela, ela quer que os outros também tenham uma parte (v.12). É mais uma figura do fruto da verdadeira comunhão com o Senhor; mostra, em figura, uma vida usada para o Senhor e para os outros, como foi a vida de Paulo, o apóstolo. Veja, por exemplo, versículos como Gálatas 2:20 e Filipenses 1:21 para notar como aquela vida foi usada para o Senhor, e passagens como I Ts 2:1-12 para ver a maneira como aquela vida foi gasta, servindo aos outros.No começo do Cântico, quando ela estava longe do amado, ela negligenciou a sua vinha (1:6) servindo aos outros, mas agora, perto dele, ela cultiva a sua vinha para o prazer dele, e para o bem de outros. O cristão, em comunhão com o Senhor, vive servindo ao Senhor e servindo aos outros, sem contudo tornar-se servo dos homens.
Conclusão
Agora, no final do Cântico, a esposa é descrita como aquela que habita nos jardins (note o plural e compare com vs. 11 e 12). Servindo com o amado nos jardins, ela tem sido uma benção e incentivo para os companheiros (compare com 1:7), mas agora o amado a chama à presença dele.Este quadro lindo mostra uma vida em plena harmonia com a vontade do Senhor, usada para edificar e confortar o povo de Deus, na seara do Senhor, até o momento quando Ele a chamar à Sua presença.
E a resposta da esposa é imediata e cheia de desejo de estar com ele; “Vem depressa, amado meu,”(v.14). Parece um eco daquele servo do Senhor que disse, tenho “desejo de partir, e estar com Cristo, porque isto é ainda muito melhor” (Fil. 1:23), ou daquele que, entre as pedras que caíram sobre ele, exclamou: “Senhor Jesus, recebe o meu espírito” (Atos 7:59).
Que esta pequena meditação possa levar cada leitor para mais perto do seu Amado, afastando-o do mundo, para conhecer as delícias da Sua presença, aguardando o momento quando Ele há de chamá-lo àqueles eternos montes de aromas.
R. E. Watterson
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