Os Cantares de Salomão contam, na forma de parábola, o relacionamento entre Deus e Seu povo, Israel. A esposa, ora perto do seu Amado, ora longe dEle, é uma figura de Israel, e o Amado, uma figura de Deus. Agora, possuindo a luz do Novo Testamento, podemos ver neste livro, também, o relacionamento entre Cristo e a Sua Igreja.
Há, também, o aspecto individual: a esposa é uma figura do cristão, e o Amado representa o Senhor Jesus Cristo. Visto deste ângulo, o livro mostra o relacionamento entre Cristo e o cristão na sua vida particular. Apresenta as alegrias e bênçãos da comunhão com o Senhor, e, ao mesmo tempo, mostra, para aviso nosso, as coisas que destroem tal comunhão. E tem mais, pois este livro não nos deixa apenas com os avisos. Caso a comunhão for interrompida, por qualquer motivo, acharemos, nas figuras do Cântico, o caminho de volta.
Introdução
O livro de Eclesiastes, que o precede, é realmente uma introdução aos Cantares de Salomão. Vemos, nestes dois livros, o caminho errado (Eclesiastes) e o caminho certo (Cantares). Eclesiastes apresenta a vaidade das vaidades (1:2), ao passo que Cantares fala do cântico dos cânticos (1:1). A maior e pior de todas as vaidades é a de procurar a satisfação em coisas “debaixo do sol”. Aquele, porém, que busca a satisfação no Senhor descobrirá o maior e melhor de todos os cânticos. Eclesiastes nos leva à conclusão que o coração humano é grande demais para que possa ficar satisfeito com coisas materiais; Cantares nos convence que o mesmo coração é pequeno demais para conter toda a alegria de comunhão com o Senhor.Podemos dividir o livro em seis partes, como segue, facilitando assim a nossa compreensão das suas lições práticas:
1. A Restauração da Comunhão Perdida..................1:2 a 2:7
2. A Comunhão Perdida e Restaurada.....................2:8 a 3:5
3. A Comunhão Ininterrupta.................................3:6 a 5:1
4. A Comunhão Perdida Outra Vez, e Restaurada.....5:2 a 6:10
5. Frutos da Comunhão........................................6:11 a 8:4
6. A Comunhão Perfeita........................................8:5 a 14
1ª Parte — A Restauração da Comunhão Perdida (1:2 – 2:7)
Nos primeiros versículos, encontramos a esposa longe do seu Amado, porém com muitas saudades dEle. Ela deseja reencontrá–Lo, mas não sabe onde Ele está. Ela lembra de dias melhores, quando estava junto dEle, e confessa que, longe dEle, não há prazer que possa comparar com o da Sua presença (1:2).Não é, portanto, a história de um pecador buscando o Salvador, mas sim, a do cristão que busca novamente o gozo da comunhão que já conheceu.
É importante observar que o texto não indica, nesta altura, a causa deste rompimento de comunhão. Mostra apenas que a esposa estava longe dAquele que amava. O Espírito não identifica a causa, mas revela a condição triste em que ela se achava. A comunhão estava interrompida.
Por esta razão, qualquer cristão que tenha perdido o gozo da comunhão com o Senhor, pode ver o seu caso refletido na experiência da esposa, e assim descobrir o caminho de volta aos pastos verdejantes da presença do Bom Pastor.
A Restauração
A restauração começa com a recordação. Nos vs. 3 e 4, vemos as saudades que ela sentia ao lembrar do Seu nome; para ela, Seu nome é como “unguento derramado” (v. 3). É apenas uma lembrança agora, pois Ele está tão longe, mas ainda confessa, com saudades, que “são bons os teus unguentos”. São inesquecíveis, também, aqueles bons tempos nas recâmaras do Rei (v. 4). Ela lembra que as virgens (v. 3) e os retos (v. 4) também amam Seu Amado. Aqueles que são puros e justos são atraídos a Ele, e ela une–se a estes para, juntos, correrem após Ele.Devemos observar, no v. 4, o contraste entre o tempo futuro dos verbos no plural, “correremos … regozijaremos … alegraremos … lembraremos”, e o tempo passado do verbo no singular, “introduziu”. Juntamente com os puros e os retos, ela vai procurar o Amado, mas lembra-se duma experiência pessoal e individual no passado. As alegrias de comunhão com aqueles que buscam ao Senhor são realmente grandes, mas não se comparam com o gozo indizível daqueles tempos à sós com o Senhor.
Ao entrarmos no v. 5, percebemos a sua decepção com os outros. As filhas de Jerusalém a desprezaram, e os filhos de sua mãe se indignaram contra ela (vs. 5, 6). Não a entenderam. Ela teria de procurar seu Amado sozinha.
A lição para nós é clara. A restauração é algo individual entre o cristão e o Senhor; é necessário deixar os outros, para buscar a Sua face.
As Figuras
Ela usa duas figuras para descrever sua aparência: “as tendas de Quedar … as cortinas de Salomão”. À primeira vista, estas figuras parecem apresentar um contraste entre si, porém tem algo em comum.As tendas de Quedar tornaram–se proverbiais devido à sua cor escura. Queimadas pelo sol do deserto, ficaram escuras, mas protegiam seus moradores do calor do sol, propiciando–lhes sombra e descanso. As lindas cortinas do palácio de Salomão tinham a mesma finalidade, guardando aquela sala do calor do sol. Estas figuras destacam o serviço dela; serviço para os outros (tendas de Quedar), e serviço para o Rei (cortinas de Salomão).
Talvez temos nisto uma indicação da causa do seu afastamento do Amado. Ela guardou as vinhas dos outros, mas a sua própria não guardou. A impressão deixada por este versículo (v. 6) é que ela não guardou a sua própria vinha por falta de tempo. Estava tão atarefada trabalhando nas vinhas dos outros, que não lhe sobrou tempo para a sua própria.
Quantas vezes acontece que perdemos a comunhão com o Senhor devido ao serviço. Pode ser algo legítimo, ou até necessário, mas pode roubar–nos daquele tempo que deveríamos estar a sós com o Senhor. O serviço pode ser para os outros (tendas de Quedar), ou para o Senhor (cortinas de Salomão), mas se tomar o tempo e o lugar da comunhão pessoal com Ele, é uma armadilha perigosa.
Vemos um exemplo disto em Marta. Ela estava “ansiosa e afadigada com muitas coisas” (Lc 10:41), e creio que estava ocupada em serviço para o Senhor. Maria, porém, escolheu a boa parte, sentada aos pés do Senhor.
A escolha dos doze apóstolos fornece outro exemplo disto. O Senhor “nomeou doze para que estivessem com Ele, e os mandasse a pregar” (Mc 3:14). O serviço é importante, mas é aceitável ao Senhor somente na medida em que nasce da comunhão com Ele. (continuará)
R. E. Watterson
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