terça-feira, 29 de julho de 2014

O discipulado cristão (iv)

2. As exortações pertinentes (Hb 12.1-3)

Neste trecho vemos o discipulado na figura de uma carreira e somos exortados a praticar quatro ações para corrermos bem.

a) Desembaraçar. Pesos constituem-se em sérios obstáculos ao bom desempenho de um atleta e o corredor cristão é exortado a desembaraçar-se “de todo peso”, isto é, tudo quanto, embora lícito em si mesmo, contribua para desviar a atenção do Mestre e roubar-lhe o tempo que deve ser dedicado à oração, estudo da Palavra e meditação, acabando por enfraquecer a devoção e o amor incondicionais que ele deve ao Senhor. O excessivo cuidado com os interesses desta vida, as coisas supérfluas com as quais muitas vezes nos ocupamos, podem tornar-se um “excesso de peso” que muito prejudicará o discípulo-atleta.

Mas há um obstáculo ainda mais perigoso, do qual o discípulo tem de se desembaraçar — “o pecado que tenazmente nos assedia”. Embora estejamos arriscados a pecar, o Mestre não quer que pequemos (1 Jo 2.1). Todo pecado conhecido deve ser confessado e abandonado (1 Jo 1.9-2.2).

b) Correr. É bem claro no texto que não basta correr, mas é preciso correr com perseverança. Perseverança é a paciência que nunca desiste, mas que continua apesar das circunstâncias desfavoráveis. É constância, firmeza e determinação na busca de um ideal. Paulo, um exemplar discípulo cristão, é um exemplo de perseverança. Ele diz que foi conquistado por Cristo para alcançar a perfeição e, embora não a tenha ainda recebido, prosseguia em busca daquele alvo: “Irmãos, quanto a mim, não julgo havê-lo alcançado; mas uma cousa faço: esquecendo-me das cousas que para trás ficam e avançando para as que diante de mim estão, prossigo para o alvo, para o prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus” (Fp 3.12-14).

c) Olhar. No capítulo anterior o escritor exalta o testemunho extraordinário dos grandes vultos da fé na antiguidade, homens cuja estrutura espiritual era tão elevada que “deles o mundo não era digno” (11.38), cujos exemplos constituem-se num grande encorajamento à fé. Entretanto, é muito significativo a transição radical da sua linguagem ao iniciar o capítulo 12. Se estes heróis da fé, aqui apresentados como “uma grande nuvem de testemunhas” são dignos de toda a admiração pelo brilho notável do seu testemunho, há um infinitamente maior do que eles — “o Autor e Consumador da fé, Jesus”, diante de Quem é ofuscado todo o brilho de qualquer vida humana, por mais fulgurante que seja. Assim, não obstante o brilho daquela grande “nuvem de testemunhas”, somos convidados a desviar delas o nosso olhar para fixá-lo no Senhor Jesus Cristo, a fim de sermos inspirados na maravilhosa perfeição da Sua vida.

Mas ainda uma vez, devemos notar que não basta olhar, mas é preciso olhar firmemente. Um olhar casual ou displicente não nos permite fazer a devida avaliação do que foi olhado, mas quando um olhar é fixado em alguma coisa todos os pormenores podem ser percebidos. Pois bem, para melhor conhecermos o nosso Mestre é necessário que O miremos demorada e atentamente. Se assim o fizermos, seremos transfigurados e refletiremos em nosso caráter o Seu glorioso brilho (2 Co 3.18).

d) Considerar. O leitor é convidado a examinar o argumento e fazer uma avaliação dos fatos apresentados, a fim de convencer-se da superioridade dAquele que “suportou tamanha contradição dos pecadores contra Si mesmo”. Novamente, ele afirma que não basta considerar, mas é preciso considerar atentamente. Ele é o Autor da fé. A palavra “autor”, no grego, indica alguém que toma a dianteira, ou que proporciona a primeira ocasião para alguma coisa. A ideia é, portanto, de liderança e precedência. Cristo Jesus, o Homem, é o nosso Líder na fé, em cuja senda Ele nos precedeu, caminhando sem atalhos até o fim. Ele é, também, o Consumador, ou “Aperfeiçoador da fé”. Isto indica que em Sua Pessoa a fé atingiu o seu ponto culminante. Ele completou a Sua obra quando “suportou a cruz” em todo o peso da sua maldição, dor e humilhação e, como recompensa, foi exaltado e “assentado à destra do trono de Deus”, onde agora está, “coroado de glória e de honra” (Hb 2.9).

O Mestre é nosso exemplo e inspiração. Para podermos vê-Lo temos de desembaraçar-nos dos muitos obstáculos e do pecado, temos de correr perseverantemente a carreira da fé, temos de mirar fixamente o nosso Mestre, temos de considerar atentamente a Sua Pessoa, a Sua rejeição, a Sua humilhação, os Seus sofrimentos vicários e o Seu exemplo singular. Sigamos fielmente o nosso Mestre e não hesitemos em sofrer por Ele, se necessário, lembrando-nos de que após a cruz virá a glória! Se sofrermos com Ele, também com Ele seremos glorificados (Rm 8.17).

III — As Condições do Discipulado

1. Seguir fielmente o Mestre (Mt 9.9; 11.28-29; Mc 1.16-20; Lc 14.33).

a) Seguir espontaneamente (Lc 9.23). Ninguém pode ser discípulo de Cristo contra a vontade. Ele apresenta as condições do discipulado para “quem quer” segui-Lo. É uma opção pessoal e, não, uma obrigação imposta por alguém. É um compromisso assumido voluntariamente e, não, compulsoriamente.

b) Reconhecer a exclusividade do Mestre. Com isto queremos dizer que o discípulo não é chamado a seguir uma religião, uma seita ou uma organização religiosa. Também não é convidado a seguir um chefe religioso. O apelo do discipulado é para seguir o Senhor mesmo. Quando Ele chama, os pronomes pessoais por Ele usados não deixam a mínima dúvida a este respeito: “segue-me”, “vinde após mim”, “meu discípulo”, “vinde a mim... aprendei de mim... tomai o meu jugo”.

O Senhor não admite concorrência, mas adverte claramente: “Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de aborrecer-se de um, e amar ao outro; ou se devotará a um e desprezará ao outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas” (Mt 6.24).

c) Manter-se unido a Ele (Mc 3.13-14). Ele chamou e os discípulos “vieram para junto dEle”. Ele pretendia enviá-los a pregar, mas antes disso chamou-os “para estarem com Ele”. A lição é óbvia: primeiro a comunhão, depois, o serviço. Aprendamos a nunca inverter essa ordem.

d) Manter-se unido aos condiscípulos. Eles vieram juntos para o Senhor, a fim de, juntos, gozarem da Sua sublime companhia e, juntos, dedicarem-se ao serviço do Mestre. Discipulado pressupõe comunhão, cooperação, união de esforços.

e) Render-se ao Mestre em plena obediência. Ele não aceita menos que uma obediência total, pois adverte: “Vós sois meus amigos, se fazeis o que eu vos mando” (Jo 15.14). E: “Por que me chamais Senhor, Senhor, e não fazeis o que eu vos mando?” (Lc 6.46). Ele reivindica a Sua autoridade sobre os discípulos, afirmando: “O servo não é maior que o seu senhor, nem o enviado maior do que aquele que o enviou” (Jo 13.16). Estamos nós obedecendo em tudo ao nosso amado Mestre?

f) Calcular o custo. A decisão de tornar-se discípulo só deve ser tomada após madura reflexão sobre as dificuldades que terá de enfrentar. Foi exatamente quando as multidões queriam acompanhá-Lo que o Senhor apontou as dificuldades do discipulado e, por três vezes, declarou que quem não aceita aquelas condições não pode ser Seu discípulo. Alguns pregam um evangelho sem cruz e, portanto, sem preço, mas tal não é o Evangelho de Cristo, pois Ele não oferece facilidades a ninguém. É somente quando o homem está disposto a arcar com o custo e dizer: “Senhor, anelo a Ti seguir e sempre a cruz levar”, que ele está apto para o discipulado.

2. Um teste importante (Lc 9.57-62).

Três homens foram examinados pelo Senhor e não foram aprovados para o discipulado. Quais seriam as razões? Vejamo-las:

a) O candidato leviano (vs. 57-58). Ele ofereceu-se para seguir o Senhor por onde quer que ele fosse, mas fê-lo levado por um entusiasmo superficial. Não calculou o custo. Não pensou no sacrifício que aquele ato exigiria: uma vida frugal, destituída de conforto e sujeita a perseguições de toda sorte. O Senhor olhe disse: “As raposas têm covis e as aves do céu, ninhos; mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a sua cabeça”. Com isto o Mestre mostrou-lhe que antes e mais do que entusiasmo é preciso ter fé e espírito de renúncia para seguir a Cristo. O Senhor não engana a ninguém. Pelo contrário, quer que todos saibam que o discipulado não é fácil.

b) O candidato embaraçado (vs. 59-60). A este o Senhor convidou segui-Lo, mas ele pediu prazo. Queria esperar até que o pai falecesse. Nada há de errado em termos cuidado para com os nossos familiares, mas estes nunca devem servir de obstáculo ao discipulado. Quem amar mais os familiares do que o Senhor, não pode ser Seu discípulo. Por isso, o Mestre respondeu com clareza: “Deixa aos mortos o sepultar os seus próprios mortos. Tu, porém, vai e anuncia o reino de Deus”. Em outras palavras, os mortos espirituais não têm outras preocupações além dos deveres sociais e outras responsabilidades desta vida, mas o discípulo cristão tem uma preocupação mais importante: o Mestre e os interesses do Seu Reino.

c) O candidato indeciso (vs. 61-62). Este ofereceu-se para seguir o Senhor, mas parece ter ficado com dó de deixar os parentes para segui-Lo. O Senhor foi bem claro: “Ninguém que, tendo posto mão no arado, olha para trás, é apto para o reino de Deus”. Ir após o Mestre com pesar do que ficou para trás seria um passo desastroso, pois quem não renuncia tudo não pode ser discípulo.

L. Soares

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