É interessante notar que a maioria das seitas heréticas que Satanás tem plantado no meio da cristandade não se caracterizam tanto pela rejeição da Palavra de Deus, mas sim pela importância exagerada que dão a certos aspectos da verdade, esquecendo-se de outros. Levando a humilhação voluntária do Senhor Jesus ao extremo, alguns ensinam que Ele é inferior ao Pai. Prendendo-se a alguns versículos do Novo Testamento, outros ensinam que, ainda hoje, devemos fazer curas, falar em línguas estranhas, etc. Lembrando da Lei, alguns querem aplicá-la ao cristão hoje, apesar do ensino claro do Novo Testamento quanto à graça divina. Estes, e muitos outros erros, surgem da ênfase exagerada que é dada a um aspecto da verdade, um extremismo que não aceita toda a verdade.
Qualquer ensino que não encaixe no quadro completo apresentado pela Palavra de Deus, é um ensino falso e perigoso, não importa quantos versículos isolados possam ser apresentados para defendê-lo.
A Necessidade de Equilíbrio
Antes de considerarmos alguns extremos que têm se manifestado no meio dos cristãos, seria bom deixarmos bem claro que o equilíbrio espiritual é algo fundamental para o servo de Deus. A Bíblia nos mostra vários exemplos negativos (onde o extremismo é censurado), e outros positivos (onde é enfatizada a necessidade de equilíbrio) que merecem nossa atenção.Uma Explicação
É preciso esclarecer, porém, que estamos falando de posições extremas, e não de dedicação extrema. Alguns levam até esta necessidade de equilíbrio ao extremo, e afirmam que não podemos ser cristãos fanáticos, que servem a Deus com todas as forças, todo o tempo; temos (dizem eles!) que viver equilibradamente, um pouco para Deus, um pouco para nós. Esta heresia carnal e satânica não tem qualquer fundamento bíblico; pelo contrário, o ensino claro da Bíblia é que Deus não irá se contentar com menos do que tudo. O Senhor disse claramente: “aquele dentre vós que não renuncia a tudo quanto tem, não pode ser meu discípulo” (Lc 14:33). Não esqueça: “Maldito aquele que fizer a obra do Senhor relaxadamente [literalmente, sem diligência, sem se esforçar]” (Jr 48:10).Nossa dedicação deve ser total, extrema, servindo a Deus “de todo o coração, de todo o entendimento, e de toda a força”; servindo sem reservas, sem preguiça, sem medo de sermos chamados de fanáticos. O que a Bíblia condena não é o extremismo que nos leva a dar tudo que temos a Deus (pelo contrário, isto é exigido pelo Senhor), mas o extremismo que nos torna parciais quanto à verdade, que concentra todas as energias num aspecto da verdade revelada de Deus, esquecendo do quadro completo que Ele tem nos dado. Que possamos ser preservados desta falta de equilíbrio, enquanto nos damos a nós mesmos, sem reservas, ao Senhor (II Co 8:5), sendo servos que considerem “tudo como perda, por causa da sublimidade do conhecimento de Cristo Jesus” (Fil. 3:8).
Exemplos Negativos
Um exemplo bem conhecido, e bastante claro, é o extremismo demonstrado por Pedro em João 13. O Senhor queria lavar os pés dos discípulos, mas Pedro, humilde, disse: “Nunca me lavarás os pés” (v. 8). Mas quando ele viu a necessidade de ter os pés lavados, ele logo foi ao outro extremo: “Senhor, não somente os meus pés, mas também as mãos e a cabeça” (v. 9). Ambos os extremos estavam errados.Em Lc 11:37-44, temos uma repreensão severa do Senhor contra os fariseus, devido ao extremismo hipócrita destes. “Ai de vós, fariseus! porque dais o dízimo da hortelã, da arruda e de todas as hortaliças, e desprezais a justiça e o amor de Deus”. O Senhor Jesus não os repreendeu pelo que faziam (dar o dízimo da hortelã, etc.), mas sim por que exigiam isto, e esqueciam-se de outras coisas; estavam sendo desequilibrados na sua religiosidade. Ele acrescenta: “devíeis, porém, fazer estas coisas, sem omitir aquelas”. Eram tão extremistas que coavam o mosquito e engoliam o camelo (Mt 23:24)!
Exemplos Positivos
Em tudo, o Senhor Jesus é o exemplo supremo e perfeito, e Ele demonstrou absoluto equilíbrio em todos os Seus atos e palavras. Diz a Bíblia que “a graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo” (Jo 1:17). Ele manifestou, perante os homens, a graça e a verdade divinas. A verdade que condena o pecador, mostrando a santidade de Deus e a imundícia do homem; mas, por outro lado, a graça que recebe qualquer pecador arrependido. Não uma graça isolada da verdade, que perdoa qualquer pessoa e qualquer ato, sem condenar o pecado. Nem tão pouco uma verdade alheia à graça, que condena o pecado e o pecador, mas não pode perdoar. Não; por meio dEle vieram tanto a graça, quanto a verdade, em perfeita harmonia.O equilíbrio demonstrado pelo nosso Mestre é exigido de nós também. Se Ele manifestou “graça e verdade”, nós devemos seguir “a verdade em amor” (Ef 4:15). W. E. Vine disse: “Amor e verdade não podem ser separados … O amor que é praticado às custas da verdade é apenas sentimentalismo … Não é de Deus. A verdade que é defendida às custas do amor é uma teoria fria, que se espelha no legalismo”.
Como é necessário saber encontrar o verdadeiro equilíbrio espiritual em nossas vidas. Como Paulo disse a Timóteo: “Deus não nos tem dado espírito de covardia, mas de poder, de amor e de moderação” (II Tm 1:7). São três as características (destacadas neste contexto) que o cristão deve evidenciar em sua vida: poder para condenar o pecado e defender a verdade; amor para compadecer-se dos que desviaram da verdade; e moderação para não ir a um extremo, nem ao outro. Poder e amor são duas características divinas; uma sem a outra, porém, é sinal de perigo. Se manifestarmos apenas poder, iremos estrangular qualquer aparência do mal mas, ao invés de “restabelecer as mãos descaídas e os joelhos trôpegos” (Hb 12:12), iremos acabar de derrubá-los! Se, por outro lado, tivermos apenas amor, iremos perdoar tudo, e a verdade estará comprometida.
Podemos ver o equilíbrio perfeito entre estas duas qualidades em Moisés, no cap. 32 de Êxodo. Quando Deus ia destruir o povo, o amor de Moisés o levou a suplicar pelo povo (v. 11), e até a pedir que Deus o condenasse em lugar deles (v. 32)! Mas este amor não fez com que ele tolerasse o pecado. Vemos o poder manifesto quando ele fez o povo beber a água onde tinha sido lançado o pó do bezerro de ouro (v. 20), e quando mandou matar os idólatras (vs. 25-29). Esta é a verdadeira moderação que Deus aprecia; perante Ele, suplicando em amor pelo povo desviado; diante do povo, defendendo com poder e zelo a santidade de Deus!
Também lemos, em II Co 7:1: “Purifiquemo-nos de toda impureza, tanto da carne, como do espírito”. Há aqueles que esquecem do equilíbrio, e defendem com unhas e dentes a necessidade de pureza na carne, estabelecendo regras para coibir a impureza carnal; mas toleram a impureza do espírito. Por outro lado, alguns, alegando que nossa carne está perdida mesmo, não se preocupam com o que é feito através do corpo, mas exigem uma pureza espiritual exemplar. A exortação, porém, é para nos preocuparmos com ambas.
Mais um versículo em Ezequiel será o suficiente por ora. Acerca dos sacerdotes, disse o Senhor: “Não raparão a cabeça, nem deixarão crescer o cabelo; antes, como convém, tosquiarão as cabeças” (44:20). Ou, em outras palavras: “Eles não devem ser extremistas; nem muito curto, nem muito longo”. Assim devem ser as nossas mentes: não mentes legalistas que veem regras e proibições onde não existem, nem mentes liberais que não enxergam o que está escrito, mas mentes equilibradas, que aceitam de bom grado toda a Palavra de Deus.
Se o Senhor permitir, pretendemos ver, nos próximos números, alguns dos extremos perigosos que devemos evitar se quisermos seguir “a verdade em amor” (Ef 4:15). Mas repetimos: é a posições extremas que nos referimos, e não a dedicação extrema. Não queremos servos com menos amor, ou menos verdade, mas que demonstrem mais destas, e de todas, as virtudes cristãs, na mesma proporção que encontramos na pessoa bendita de nosso Salvador. Que Ele nos dê igrejas, servas e servos equilibrados.
W. J. Watterson
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