terça-feira, 29 de julho de 2014

Lições práticas do Cântico dos Cânticos (iv)

Nesta parte do livro (3:6 a 5:1), Deus mostra, em linguagem figurada, as alegrias da comunhão perfeita e ininterrupta que o cristão deve ter com o Amado.

Sem dúvida, é a parte do livro mais difícil de interpretar, e creio que a razão desta dificuldade é fácil de descobrir. Ate agora, neste Cântico, temos visto algo muito semelhante à experiência diária de muitos cristãos, ou seja, figuras que mostram uma vida de altos e baixos, de vitorias e derrotas. Temos visto a esposa, ora perto do Amado, ora afastada dele; às vezes buscando-O, às vezes indiferente.

As figuras que agora encontramos, porém mostram uma experiência estranha para nós, embora deva ser a experiência normal de cada cristão; uma vida de comunhão perfeita e constante com o Senhor.

Análise

Nos primeiros versículos (3:6-10) ouvimos a pergunta e os comentários das filhas de Jerusalém. Em seguida, a esposa fala (3:11). Note como ela fala pouco, nesta parte do livro. O Amado fala mais (4:1-5), mas no versículo 6 ouvimos novamente a voz da esposa. O Amado torna a falar nos versículos 7-15, e este capitulo termina com a resposta que a esposa Lhe dá (v.16). Finalmente, esta parte do livro termina com o Esposo respondendo à esposa e convidando os amigos a participarem das suas alegrias e frutos.

As filhas de Jerusalém (3:6-10)

Uma marca da verdadeira comunhão com o Senhor é a ocupação com Ele. Nestes versículos, as filhas de Jerusalém percebem algo na esposa que lhes atrai. Vendo-a subir do deserto, perguntam: “Quem é esta...?” (a palavra traduzida “esta” é feminina no hebraico). Impressionam-se com a sua dignidade e beleza (colunas de fumo, mirra, etc.), mas não ouvem resposta alguma à sua pergunta. Nem esperam por uma resposta, pois imediatamente começam a descrever a glória do Rei. Falam da sua cama (vs.7-8) e do seu palanquim (vs.9-10). Comtemplam a paz e a segurança que Ele dá (simbolizadas pela cama e os valentes), e a sua majestade e grandeza (simbolizadas pelo palanquim, ouro, purpura, etc.). Ainda mais imp0ressionam-se com seu amor (v.10).

A lição que isto nos traz não deve ser esquecida. Se estamos, de fato, vivendo em comunhão com o Senhor, haverá algo na nossa vida que chamará a atenção dos outros, mas não os levará à ocupar-se conosco, mas sim com as glórias e belezas do nosso Amado. Fomos chamados para mostrar “as virtudes dAquele que nos chamou” ( I Pedro 2:9).

A Esposa Fala (3:11)

Esta é a primeira vez que a esposa fala, nesta parte do livro. Ate agora, as filhas de Jerusalém comtemplaram a beleza da esposa e a glória do Rei. A esposa, porém, as exorta a comtemplar a pessoa do Rei, no júbilo do seu coração.

Estas poucas palavras da esposa falam muito ao coração espiritual. Não devemos ocupar-nos uns com os outros, nem tão pouco contentar-nos com a contemplação das belezas e das grandezas do nosso Amado, mas sim com a Sua Pessoa incomparável. Veja esta lição no monte de transfiguração. Deus interferiu naquele monte, desviando a atenção dos discípulos daquela glória excelente, e das pessoas que ali apareceram, para focalizar toda a atenção na Pessoa singular do Seu Amado Filho. E quando a nuvem passou ”a ninguém viram senão unicamente a Jesus” (Mt 17:8). Veja como a esposa fala da alegria do seu Amado: “o jubilo do seu coração”. O prazer dela é dar prazer a Ele.

O Amado Fala (4:1-5)

Após estas poucas palavras da esposa, ouvimos a voz do Amado. Nesta ocasião, o seu assunto é um só; Ele fala da esposa.

Ela estava ocupada somente com Ele, e exortava as filhas de Jerusalém à mesma ocupação. Vendo isto, o Amado fala do prazer que sente na dedicação da esposa, descrevendo-a em figuras tão expressivas (4:1-5).

É maravilhoso saber que nós podemos dar prazer ao nosso Amado. Quando Ele estava aqui na terra, Ele achou mais prazer na comunhão de Maria do que no serviço de Marta (Lc 10:42). Devemos lembrar, porém, que o Amado falou da beleza da esposa quando ela estava ocupada com Ele; se nós queremos dar prazer à Ele, precisamos dar-Lhe o primeiro lugar nas nossas afeições. Será assim no céu, pois lemos “e eis que estava no meio do trono e dos quatro animais viventes e entre os anciãos um Cordeiro como havendo sido morto” (Ap 5:6). O lugar central e preeminente no céu é dEle, e deve ser na nossa vida também. Na eternidade “os Seus servos verão o Seu rosto, e nas suas testas estará o Seu nome” (Ap 22:4).

A Esposa Fala (4:6)

Ela usa a mesma expressão que usou em 2:17: “Antes que refresque o dia, e caiam as sombras” (4:6), porém agora, ela o usa num contexto diferente. Naquela ocasião, ela queria que Ele viesse com pressa ao seu lado, mas agora, em comunhão perfeita, ela fala em ir à presença dEle. Outra diferença importante está na descrição dos montes. Na primeira ocasião, os descreveu como “montes de Beter” (2:17), que significa “montes de separação” ou “montes escabrosos” (ARA), mas agora, nas alegrias da comunhão com o Amado, ela fala do monte da mirra e do outeiro do incenso. Aquilo que antes representava sacrífico (separação) ou perigo (montes escabroso) agora é agradável e atraente. Ocupação com Ele fez a diferença, e a fará para nós. Na medida em que nos ocupamos com o Senhor, este mundo perderá sua atração, e o vitupério de Cristo será nosso maior gozo.

O Amado Fala (4:7-15)

As palavras do Amado agora são entre as mais impressionantes. Se a esposa vê perfeição no Amado, não nos surpreendemos, pois o nosso Amado não tem defeito, nem mancha, mas surpreende-nos ouvi-lO dizer: “Tu és toda formosa, amiga minha, e em ti não há mancha” (4:7). Sem duvida, é graça soberana que nos justifica na presença de Deus, onde ninguém pode nos acusar (Rm 8:33-34). Na Sua graça, Ele não imputa as nossas iniquidades (Rm 4:7-8), mas imputa justiça (Rm 4:5-6). Compare Ef 5:27.

Esta transformação, por outro lado, é consequência lógica da ocupação com Ele. “E todos nós com o rosto desvendado, comtemplando, como por espelho, a glória do Senhor, somos transformados de glória em glória, na Sua própria imagem, como pelo Senhor, o Espírito” (II Co 3:18).

Quão bom é saber que somos aceitáveis “no Amado” e perfeitos nEle. Quão bom viver em verdadeira comunhão com Ele, contemplando o Seu rosto. Na medida que vivemos esta comunhão com Ele, seremos transformados de glória em glória, feitos mais e mais parecidos com Ele, e refletiremos algo da Sua glória aos que estão ao nosso redor.

Em seguida, Ele a convida a acompanhá-lO no Seu trabalho. Haverá dificuldades nos cumes dos montes, e perigos de leões e leopardos (4:8), mas a presença dEle é a atração e também a segurança. “Ainda que eu ande pelo vale sombrio da morte, não temerei mal algum, porque Tu estás comigo” (Sal. 23:4).

Nos versículos seguintes, Ele expressa o Seu profundo amor pela esposa. Antes, Ele chamava de “Meu amor”, mas agora, pela primeira vez, é “Minha esposa” (v.8). Agora, acompanhando-O nos montes de perigo e sofrimento (v.8), e achando que são montes de mirra e incenso (v.6), ela se identifica totalmente com Ele, e as Suas expressões de apreciação e amor (vs.9-11) são sublimes.

Nesta comunhão perfeita, Ele a descreve como um jardim (v.12) cheio de frutos deliciosos e perfumes agradáveis.

A Esposa Fala (4:16)

Ela aceita a descrição, e se compara a um jardim. Duas vezes neste versículo, ela usa a palavra jardim. A primeira vez, ela diz, “meu jardim”, mas logo fala que este jardim é do seu Amado.

O vento norte simboliza adversidade e o vento sul prosperidade. Ela convida estas influências diferentes a soprar no seu jardim, para que os aromas se derramem. Quão bom é quando vivemos em comunhão tão intima como o Senhor que todas as circunstâncias que surgirem tem o mesmo efeito. Tanto a adversidade como a prosperidade, fazem parecer, na vida, mais e mais das virtudes de Cristo. O derramar destes aromas trará prazer aos outros, sem dúvida, mas ela quer este derramamento para o prazer do seu Amado. Tudo que ela tem e produz é para Ele.

O Amado Fala (5:1)

A resposta do amado é imediata. “Já vim a Meu jardim... colhi a Minha mirra... comi o Meu favo...”. Ele recebeu prazer, como o Senhor tem prazer em contemplar uma vida em plena comunhão com Ele.

Mas outros também participam dos benefícios desta vida entregue ao Senhor. O próprio Amado convida outros a desfrutar destas bênçãos: “Comei, amigos, bebei abundantemente”. A vida que dá prazer ao Senhor, trará benção aos outros. Compare o desejo dela (4:16) com este desejo dEle. Ela também queria que os aromas fossem derramados, trazendo prazer a outros. A comunhão fará com que os nossos pensamentos sejam como os dEle. “Nós temos a mente de Cristo” (I Co 2:16; comp. Gl 2:20 e Fil. 1:21).

R. E. Watterson

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