terça-feira, 29 de julho de 2014

Semente misturada (i)

“Não semearás a tua vinha com duas espécies de semente, para que não degenere o fruto da semente que semeaste e a messe da vinha” (Dt 22:9)


Quando lemos o livro de Deuteronômio e as leis sobre semente, animais, etc., temos de lembrar que, nestas coisas, há lições espirituais para a igreja. A prova disto é vista na aplicação que Paulo faz de Deuteronômio 25:4, que diz: “Não atarás a boca ao boi, quando debulha”, dizendo à igreja: “Acaso é de bois que Deus se preocupa? Certo que é por nós que está escrito” (I Co 9:9-10). Também temos a afirmação em Rm 15:4 de que “tudo quanto outrora foi escrito, para o nosso ensino foi escrito”. Com isto em mente, podemos pensar sobre o trecho de Dt 22:9-11, procurando entender a aplicação espiritual destas leis.

Não demoramos a entender a lição principal que os três casos têm em comum: Deus não gosta de misturas. O homem natural pensa que uma mistura produzirá sempre uma coisa maior e melhor, mas os pensamentos de Deus não são como os nossos. O resultado da mistura pode ser maior em quantidade, mas não será melhor em qualidade, será uma coisa degenerada (v. 9). Vamos olhar, inicialmente, para o primeiro caso.

A Semente Misturada.

Notamos, em primeiro lugar, que o assunto aqui não trata de dois tipos de semente diferentes como, por exemplo, semente de uva e semente de laranja, mas de duas qualidades de semente do mesmo tipo, de uva. Ninguém ia semear a sua vinha com semente de outra fruta, senão de uva, mas alguém poderia, facilmente, plantar semente boa misturada com semente inferior, pensando que tudo era semente boa. Em segundo lugar, notamos que Deus não disse que a semente misturada não produziria fruto, mas que o fruto produzido seria degenerado e que, consequentemente, a “messe” (ceifa) também seria inferior. Destas observações vemos que a preocupação do Senhor era com a qualidade do fruto produzido, e não tanto com a quantidade. Os que trabalham com plantação de tomate, melancia, etc., afirmam que, plantando-se semente “excelente” misturada com semente “comum”, o produto será quase todo do tipo “comum”, e não da qualidade “excelente”. Não podemos explicar esta degeneração na natureza, mas a tendência é sempre na direção “vira-lata” quando semeamos uma mistura.

No lado espiritual a mesma coisa acontece. Vemos um exemplo em Jr 2:21, onde Deus comparou Israel com a uva brava, dizendo: “Eu mesmo te plantei como vide excelente, da semente mais pura; como, pois, te tornaste para Mim uma planta degenerada, como de vide brava?” O resto do capítulo mostra que tal degeneração espiritual foi o resultado da mistura com as nações e seus deuses, que levou o povo longe de Deus e da Sua Palavra. Assim, a aplicação desta figura para a igreja, hoje, é de grande importância, porque “semente”, nas Escrituras, representa a Palavra de Deus (veja Mt 13:19; I Pe 1:23; etc.). O Senhor Jesus disse: “A semente é a Palavra de Deus” (Lc 8:11). Uma semente é um mistério profundo que o homem, com toda sua ciência, não consegue reproduzir. Existe o germe da vida na semente, colocado por Deus mesmo, que pelo contato com o solo húmido, germina e cresce e multiplica, “primeiro a erva, depois a espiga, e, por fim, o grão cheio na espiga”. Não cabe ao homem que plantou a semente explicar este mistério, mas não importa, porque é Deus Quem dá o crescimento (Mc. 4:26-29; I Co 3:6-7). Assim, a Palavra de Deus é viva e poderosa, e quando cair na boa terra dum coração sincero, produz o fruto excelente que Deus procura.

Desde o começo, Satanás tem procurado misturar a boa semente com semente brava, e vemos grande preocupação com este aspecto no ensino do Novo Testamento (Mt 13:24-30; Atos 15; Gl 1:6-9; etc.). Nas cartas de Paulo a Timóteo, temos várias afirmações de que esta mistura iria crescer nos últimos dias (I Tm 4:1; II Tm 3:1-10; 4:1-5), e hoje estamos vendo como é grande a mistura da semente sendo semeada. Em certos casos, é fácil ver a degeneração da semente plantada, quando pessoas vêm à nossa porta dizendo que não existe inferno, que Cristo não ressuscitou, que eles têm um “outro testamento”, além da Bíblia, que um anjo revelou ao fundador da sua igreja etc., etc. O mundo facilmente se engana com esta semente falsa, mas até um novo convertido deve saber distinguir entre “palha” e “trigo” (Jr 23:28).

Contudo, o assunto de Deuteronômio 22:9 não se refere a estas sementes muito diferentes, mas ao grande perigo de misturar sementes quase idênticas! Entre os muitos ensinos hoje, há o que podemos chamar “a semente evangélica”, que ainda prega Cristo crucificado e a necessidade do pecador se arrepender e crer nEle. Porém, mesmo aqui, há misturas perigosas. Em muitos destes grupos há grande ênfase nas experiências pessoais, sonhos, revelações, curas, etc., e não na plena obediência à Palavra de Deus para Sua igreja. A ênfase está em “números de decisões”, e nas coisas materiais. Sem dúvida, há também boa semente nestes lugares, e algum fruto genuíno, mas é uma mistura que somente pode produzir fruto degenerado. E o fruto de hoje se torna a semente de amanhã, e assim a degeneração continua crescendo no cristianismo. Quem pode negar esta degeneração, com tantos escândalos acontecendo em nossos dias, com “pastores evangélicos” que trazem vergonha e tristeza para todos que amam ao Senhor na verdade?

Alguns, que têm recebido a boa semente do ensino da Palavra de Deus sobre Seu plano para a Sua Igreja, estão inclinados a misturar com a semente degenerada do cristianismo. Estas pessoas, por falta de discernimento espiritual, pensam que é a mesma coisa, ou talvez sejam mais influenciados pelos parentes do que pela Palavra. O resultado desta mistura é sempre a degeneração na qualidade espiritual da igreja local. O Senhor nos avisa como muitos serão enganados por causa das coisas atraentes à carne, como sinais e prodígios, nos últimos dias (Mt 7:22-23; 24:24).

Paulo, alertando a igreja em Corinto sobre a fonte dos seus problemas, disse que “as más conversações corrompem os bons costumes” (I Co 15:33). Foi a mistura de “semente” de doutrina errada que produziu a degeneração espiritual daquela igreja. Tais pessoas, embora ligadas à igreja local, não estavam ajudando a obra de Deus, mas estavam sendo usadas pelo inimigo para trazer confusão entre os salvos. Se não queriam seguir unicamente a Palavra de Deus, a melhor coisa que poderiam fazer seria desligar-se completamente da igreja local, e escolher o lugar que achassem melhor. A liderança espiritual da igreja local não pode tolerar tal mistura de semente, sem receber, mais tarde, as consequências. “Não vos enganeis: de Deus não se zomba: pois aquilo que o homem semear, isso também ceifará” (Gl 6:7-8). Estamos vendo, nestes dias, a grande pressão que vem do cristianismo, para que igrejas locais se unam às suas “atividades evangélicas” —as marchas para Jesus, dia da Bíblia, etc. Estas coisas parecem ser de Deus, e não duvidamos da sinceridade de muitos que estão envolvidos nelas, mas quando analisamos bem, são uma mistura da igreja com o mundo, que não vai elevar o mundo, mas prejudicará a igreja. Se Deus quisesse tal propaganda, certamente a Bíblia mostraria Sua vontade neste sentido para Sua igreja. Não devemos ser enganados com tais misturas, e nem com a quantidade de pessoas envolvidas nelas, mas continuar fielmente semeando a verdade pura da boa semente da Palavra de Deus, mantendo assim a qualidade do fruto que Deus dá.

S. R. Davidson

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